O Livre Arbítrio: uma noção ocidental distorcida sobre a liberdade e o mal

 


Quem nunca se arrependeu de uma escolha? As vezes me pego pensando sobre o quão diferente seria a minha vida se eu tivesse feito uma única coisa diferente. Se seria melhor, pior, se eu seria uma pessoa completamente diferente ou se eu ainda estaria vivo, dada as tendências autodestrutivas da humanidade. Eu sempre me pergunto: e seu eu tivesse me rendido às tendências, à preguiça, à minha fobia social?

Tudo isso vem acompanhado do grande clichê de que a vida é feita de escolhas. E eu acrescento que a vida também é feita de não escolhas, pois eu me arrependo profundamente de não ter feito muitas coisas que quis. Mas eu pagaria pra ver numa TV como seria minha vida se eu as tivesse feito.

Por que nossas escolhas são tão sensíveis aos medos que temos? E por que a coragem se torna tão relevante?

A coragem é o que nos torna humanos e dribla todo esse instinto animalesco. A coragem é parte do nosso livre arbítrio. O livre arbítrio que causa tanta dor de cabeça aos filósofos e, por outro lado, um troféu da fé humana em suas pobres argumentações perante o divino misterioso.

Dito isso, é importante a gente observar o que algumas doutrinas e tradições falam a respeito do livre arbítrio.

Um dos grandes teólogos a abordar esse tema foi Santo Agostinho que, por volta do século quinto de nossa era comum, escreveu a obra Libero Arbitreo e em outro momento os textos sobre a Potencialidade da Alma. Em suas obras, mostrando exemplos do cotidiano, Agostinho demostra de forma simples que o livre arbítrio é um dom, um bem concedido por Deus, mesmo que esse dom seja utilizado de forma errada, o que é dado também como a origem do mau. O mau, portanto, é um fruto do dom da liberdade de escolha que as criaturas inteligentes possuem? É importante indagar isso, pois os conspiracionistas, lunáticos e corruptores das verdades se comprometem em confundir e distorcer a noção de liberdade, tentando convencer acerca desse impasse. Sem liberdade haveria espaço para o mau? Eles perguntam.

Então, ao se perguntar a origem do mau, Agostinho explica que o mau é, na verdade, um produto das paixões interiores, mas não propriamente do livre arbítrio. O mau estaria relacionado ao egoísmo, à desequilíbrios da emoção, aos nossos medos, à nossa raiva, os vícios, o prazer vazio da materialidade; é relacionado à percepção do que é o absurdo.

Entretanto, afirmo que o mau “seria” isso, pois “ele” por si só não existe. A afirmação de bem e mau é um conceito bem característico da dicotomia cristã. Toda nossa cultura ocidental, por exemplo, é baseada nesta noção dual de bem e mal. Outras culturas desconsideram o mau como uma entidade.

Na verdade, o mau seria apenas uma manifestação do vazio, um vácuo no mecanismo de funcionamento da natureza universal. Uma barreira natural da evolução espiritual das criaturas.

Portanto, o livre arbítrio não carrega o mau. O livre arbítrio é a liberdade de escolher os caminhos da evolução, permeando entre a dor e o aprendizado. Pois, que função teria a existência se as criaturas inteligentes já nascessem perfeitas em sua sabedoria? Que caminho se construiria se a evolução não possuísse seus rumos próprios? Evoluir significa se adaptar para transpassar um dificuldade. Então, "dificuldade" é a palavra chave. 

É certo que em nossa humilde e limitada percepção da vida material, o mau é presente em nosso imaginário coletivo, pois somos interdependentes. Dependemos de energia, dependemos de alimentação, dependemos da reprodução para perpetuar a existência. Mas o espírito humano é curioso e ambicioso. A sua verdadeira vontade está em deixar um legado, em se perpetuar nos livros, nas construções, nas invenções. Pois, diferente dos outros animais, sabemos que somos mortais na matéria, sabemos que o tempo nos corrói e que, no fim, sobrarão poucos ou nenhum que irão lembrar o seu nome.